6/28/2010

9ª Conferência AUDAX : PORTUGAL START-UP

Clique na imagem para visualizar em mais detalhe o programa.

ENTRADA LIVRE | Inscreva-se até dia 5 de Julho aqui.

É já dia 8 de Julho que irá decorrer a conferência anual do AUDAX/ISCTE-IUL.

O programa inclui apresentação dos projectos empresariais do curso de Empreendedorismo e Criação de Empresas, bem como, dos projectos da licenciatura de Finanças Empresariais do ISCTE-IUL.

Estes projectos serão apresentados a um painel de investidores com reconhecida experiência na avaliação de projectos:
- Caixa Capital, Grupo CGD
- Inovcapital
- IAPMEI
- Capital Criativo
- APCRI
Além disso contaremos com o guest speaker, Jonhatan Medved, co-fundador do fundo de Capital de Risco Israel Seed Partners, que investiu em diversas empresas líderes de mercado em Israel.

AF e CB

6/18/2010

CRÓNICAS DA CHINA de Virgínia Trigo - 'Negociar na China'

Quando me visitou pela primeira vez no ISCTE o Sr. Souza tinha acabado de ler o meu livro “Como negociar na China?”. Achara-o útil, disse-me, e tinha um conselho a pedir-me. Industrial do Norte o seu primeiro contacto com a China já vinha dos anos 70, de uma feira que visitara num país de Leste e onde se deixara encantar por uns ferros de engomar revestidos a teflon. O produto era ainda uma relativa novidade, mas o Sr. Souza experimentou um exemplar – para que não restassem dúvidas disseram-lhe até que o trouxesse para casa – e o produto era bom e, claro, o preço imbatível. Movendo montanhas, obstáculo atrás de obstáculo – já podem ver, naquela altura – o Sr. Souza encomendou logo um contentor e pôs os ferros à venda. Foi então que a desgraça aconteceu: um após o outro os ferros começaram a ser devolvidos. Com o aquecimento, o teflon derretia e agarrava-se à roupa danificando-a. Entre as reclamações dos clientes e o silêncio obstinado do vendedor de quem nunca recebeu uma única palavra, o Sr. Souza retirou os ferros do mercado e jurou, disse-me que jurou, nunca mais querer ter nada a ver com a China.

Mas veio entretanto a política de abertura, a invasão do mercado por produtos chineses – cada vez melhores e cada vez mais baratos – a entrada na Organização Mundial do Comércio, a China sempre na televisão e nos jornais, uma China séria e responsável. Impressionado, já sem ressentimentos, o Sr. Souza foi à China. E era precisamente sobre essa viagem que me queria falar. Sentou-se na minha frente, os dedos da sua mão direita brincando durante momentos com o relógio do seu braço esquerdo. Depois, já com os cotovelos sobre a secretária exclamou: “Aquilo é gente muito complicada”. Antes não fosse, mas os desejos não são cavalos que possamos cavalgar através dos nossos sonhos.

Depois da visita o seu desejo era bem simples, apenas encetar uma relação comercial, do interesse de ambas as partes. Sim, já tinha visitado a empresa, a empresa era grande, não sabia se era estatal, na realidade não sabia bem o que era, mas tinha muita gente a trabalhar e até conhecia uma pessoa em Xangai que talvez fosse director nesta fábrica de Cantão, mas vendo bem talvez não. Há mais de um ano que trocava correspondência, a menina Xu até sabia inglês se bem que não se pudesse dizer que aquilo era mesmo inglês pois a maior parte das vezes não se entendia. Veja bem o que estamos para aqui a escrever, como vamos sair disto? Na folha de papel que me estendeu o Sr. Souza tinha mandado transcrever a mais recente troca de emails que durava há já três meses:

“Cara Mna. Xu, gostaria de agendar uma reunião consigo, nos V/ escritórios em Guangzhou, para trocarmos ideias, com vista ao desenvolvimento das vendas e das boas relações, entre ambas as companhias. Sugiro os dias 18 e 19, a uma hora mais conveniente para si”.

“Caro Sr., em relação à sua visita, sugerimos que nos visite a 18 ou 19 a uma hora mais conveniente para si. Depois, pode seguir para Portugal, via Hong Kong. Ficamos a aguardar a S/ breve resposta. Obrigado”.

“Cara Mna. Xu, pedimos o favor de nos informar qual a hora mais conveniente para si, para a realização da reunião no dia 18”.

“Caro Sr., a sua visita pode ser 18 ou 19 a uma hora mais conveniente para si. Depois pode seguir para Portugal, via Hong Kong. Se tiver alguma questão, por favor, informe-nos”.

O que é que eles queriam? Porque rodeavam permanentemente o assunto sem dar uma resposta directa? E porque o mandavam seguir logo para Portugal sem que o tivesse perguntado? Era como se a menina Xu estivesse num mundo e o Sr. Souza noutro e ambos (ou um deles?) estivessem a tentar lançar uma ponte ou a furar uma barreira. Sabendo que só as árvores, os animais e as aves dizem verdades totais pois não têm o poder da invenção, desenhámos, o Sr. Souza e eu, uma estratégia para conseguir esta visita. Finalmente, ele foi de novo à China.

Xangai

Entretanto o Eng. Torres, um empresário de Moçambique que conheço, interessou-se há cerca de um ano também pela China. Talvez porque desconhecia em absoluto o país resolveu seguir o meu conselho: não encetar relações comerciais directamente com nenhuma empresa chinesa e utilizar antes os serviços da sua embaixada. Os protocolos que já estabeleceu com um parceiro chinês tiveram a chancela da embaixada e assim, ao mais alto nível, a relação desenrolou-se célere. Agora a preocupação do Eng. Torres não é a existência de negócios com a China, mas antes se o país vai ou não valorizar o renmimbi.

O Sr. Souza regressou na semana passada exausto ainda da sua incursão: muita gente, muito tempo, muito espaço. Imagine-se que o Sr. Souza viajou de Pequim a Zhengzhou e viu – experimentou – o que nunca imaginara ter visto: um autocarro só com beliches. Felizmente coube-lhe a cama de baixo. Entrou no autocarro de sapatos na mão e, com os outros 39 viajantes, preparou-se para enfrentar a viagem de 12 horas. “Diz no seu livro que o Confúcio – não foi? – disse que um homem sincero não se aproveita de um quarto escuro, mas olhe que eles lá não ligam muito a isso.” Contei-lhe do Eng. Torres. O Sr. Souza olhou-me com olhos que, tais como os do Sr. Ventura de Miguel Torga, já tinham visto a China, e perguntou-me: “Mas você acha que eles na nossa embaixada também fazem isso?” Eu não sei.

Virgínia Trigo
ISCTE Business School

6/02/2010

Pensamentos audazes


 Why join the navy if you can be a pirate? Steve Jobs

CRÓNICAS COISAS DA VIDA de Virgínia Trigo - O “DESENRASCANÇO”

 Kea

Não é uma palavra bonita, eu sei. De resto, assim substantivada, nem sequer existe no dicionário embora toda a gente a diga. Por mais que procure, não consigo encontrar nenhum sinónimo que exactamente transmita da mesma forma, com igual comunhão de significado, esta nossa capacidade colectiva, afinal uma habilidade para resolvermos, com razoável eficácia, situações difíceis quase sempre em casos extremos. Quando penso no “desenrascanço” vêm-me invariavelmente duas imagens à cabeça: há muitos anos atrás, na Madeira, uma equipa de filmagens francesa filma junto ao mar quando, inadvertidamente, a câmara cai à água. Todos se olham uns aos outros sem saber o que fazer até que o assistente de imagem, um jovem português, a apanha e a desmonta limpando as peças uma a uma, voltando-a a montar outra vez. A partir desse dia e enquanto durou a aura, ele passou a ser considerado a pessoa mais importante da equipa. Na outra imagem eu estou em Estocolmo com um professor sueco que amavelmente acedeu a conduzir-me ao aeroporto dado o meu atraso para apanhar um voo. Entramos no carro, ele liga o motor, agarra no volante e ouvimos um barulho seco “tac”: o volante estava encravado, nem para a direita, nem para a esquerda. E agora? Num impulso eu dou duas curtas e rápidas guinadas ao volante e ele liberta-se. O professor olhou para mim como se eu fosse a pessoa mais inteligente deste mundo. Como não sou especialmente hábil em questões de mecânica só posso atribuir aquela minha súbita inspiração à capacidade que partilho com os meus compatriotas de resolver um problema in extremis, ou seja, de me “desenrascar”.

Este tem sido um segredo só nosso, alojado algures numa camada muito íntima da nossa cultura, do qual não falamos, quando muito falamos baixinho, entre risos subtis e até um pouco envergonhados. Mas eis que o relatório recente de uma Câmara de Comércio de um país estrangeiro vem expor este nosso segredo e se põe a elaborar sobre ele: que o “desenrascanço” está mal aproveitado; que se trata de uma virtude colectiva essencial que pode e deve ser conceptualizada e até cimentada como base de resolução não só dos nossos problemas imediatos mas gerais e futuros; que sobre ele devem ser feitos estudos, teses doutorais, extraídos conceitos. Em suma, aconselham-nos a, muito para além de resultado, estudarmos e pensarmos sobre o processo que permite o “desenrascanço” com o fim de o melhorar, de o tornar sustentável e de o integrar na nossa forma normal – e não apenas in extremis – de fazer as coisas.

Como se não bastasse, por circunstâncias da vida, passei a fazer parte de uma família neozelandesa e descubro, no outro lado do mundo, um povo tão “desenrascado” como nós. Mais até, se isso me é permitido: os neozelandeses não só são eles próprios “desenrascados” como estendem essa característica ao seu reino animal como pude comprovar na reserva natural da ilha de Kapiti onde um papagaio autóctone, o “kea”, me abriu sub-repticiamente a mala para me roubar seis quadrados de chocolate. Foi apanhado em flagrante, mas já tarde, quando abandonava o local do crime.
'mentalidade de 8mm'

Não conhecendo a palavra “desenrascado”, os neozelandeses desculpam-se dizendo que uma pequena nação isolada do resto do mundo tem por força de ser engenhosa e lá está: a Nova Zelândia é a segunda nação do mundo em patentes per capita, logo a seguir à Suíça. Ser engenhoso é semelhante, e contudo diferente, a ser “desenrascado”. O engenho pode ser explicado em dois factores simples: (1) ser capaz de pensar por si próprio; e, muito importante, (2) persistir até se obter o resultado desejado. Dizem também que têm uma “mentalidade 8 mm”, por analogia com o arame de 8mm que serve para reparar tudo o que necessita de resistência (portas, cercas...). Habituados a poucos recursos, mas rodeados de paisagens lindas, os neozelandeses desenvolveram um sentido estético minimalista, tudo simplificando através de uma organização quase obsessiva, desde a decoração das casas até à limpeza e ao arranjo das ruas e dos (muitos) jardins. Talvez por tudo isso não se vejam na Nova Zelândia nem casas muito pobres nem casas muito ricas; nem pedintes na rua; nem paredes vandalizadas nas cidades; nem lojas chinesas a abarrotar de quinquilharia. Isto apesar de a comunidade chinesa representar 2,6% da população e em Portugal cerca de 0,15%.

Ernest Rutherford
Como símbolo deste engenho guardo a memória de uma cerveja que em vez da tradicional acumulação de medalhas de ouro sobre o rótulo, simplesmente anunciava: “Já perdemos conta às medalhas que ganhámos”. “Na Nova Zelândia, como não temos dinheiro, temos de pensar”, disse Ernest Rutherford, um neozelandês que ganhou o prémio Nobel da química em 1908. E estas palavras ficaram a dançar na minha cabeça durante dias seguidos.


Virgínia Trigo
ISCTE Business School