8/26/2010

CRONICAS DE EMPREENDEDORISMO de Virginia Trigo - 'Formar para falhar'

Quando regressei a Portugal, depois de mais de treze anos fora do país, muita gente me perguntou como me estava a adaptar. Esses primeiros tempos adquiriram hoje a qualidade de um sonho, ou melhor, da memória de um sonho. Imaginem um fantasma de regresso à sua antiga casa para finalizar uma tarefa inacabada: a estrutura é vagamente familiar, onde dantes havia uma porta está agora uma janela; a biblioteca é um quarto pintado de azul onde as crianças brincam; na sala há um televisor novo. Esta é a minha casa e ao mesmo tempo não é. Posso circular livremente, mas ninguém me vê. Sou absolutamente irrelevante o que me dá uma certa vantagem para observar.

Ainda assim foi já depois do meu regresso que assisti a um fenómeno singular: o da ascensão e disseminação, até agora imparáveis, da palavra empreendedorismo. Quando em 2003 o ISCTE avançou com um dos primeiros cursos a nível de licenciatura, os meus alunos não faziam a mínima ideia ao que iam, mas apenas dois ou três anos depois, de norte a sul do país, no ensino superior e também já no secundário, por todo o lado existem disciplinas ou actividades relacionadas com empreendedorismo. Ainda bem. De costume procuramos sempre mudar qualquer coisa fora de nós quando o que é necessário mudar é a nossa forma de pensar para podermos então mudar os nossos desejos e acções.



E eis que me encontro de novo fora de Portugal, precisamente em Silicon Valley, no baluarte do empreendedorismo mundial. Os meus dias seguem os ritmos caprichosos destes meses de primavera, recheados de múltiplas sessões de empreendedorismo, ao sabor dos planos dos meus anfitriões e para meu prazer verdadeiro. Um exemplo? Na madrugada de 29 de Abril um camião cheio de combustível despenhou-se num dos viadutos que ligam Oakland a S. Francisco. Incendiou-se e derreteu toda a estrutura fazendo-a abater. De imediato foram tomadas várias medidas: o governador determinou “estado de emergência”; o BART (sistema ferroviário da zona da Baía) forneceu dois dias de transporte gratuito; por todo o lado se anunciavam percursos alternativos; ainda não eram passadas 24 horas já a obra estava adjudicada e a arrancar. No dia 1 de Maio nem um escombro restava, apenas um pó dourado se elevava com o vento, em espiral, como uma breve saia voadora. Dez dias depois do acidente, o construtor anunciava e as imagens mostravam que, nesse dia às 5 da manhã, um viaduto provisório seria aberto nos dois sentidos. Entretanto as obras continuariam e a nova ponte estaria pronta em 27 de Junho. Por cada dia de antecipação o construtor receberá 200.000 dólares e pagará outro tanto por cada dia de atraso.

O que torna possível este exemplo de empreendedorismo público e privado, e muitas vezes esquecemos, são os aspectos sistémicos – não transferíveis – do modelo americano, no qual o empreendedorismo se insere e de que fazem parte um conjunto de políticas, suportadas por atitudes culturais e sociais favoráveis, que definem a relação risco/recompensa de potenciais empreendedores. O empreendedorismo desenvolve-se em ecossistema e é profundamente afectado pelos contextos locais em que ocorre. No caso do nosso país dois aspectos contextuais são absolutamente singulares: por um lado a institucionalização entre nós do não pagamento ou do atraso no pagamento inibe a acção empreendedora porque (i) impede materialmente a realização continuada das transacções; (ii) quebra a confiança nas pessoas e no sistema; e (iii) se traduz numa falta de respeito pela actividade empreendedora não atraindo mais e porventura melhores indivíduos ao sistema. Disso já aqui falei num artigo de 2 de Janeiro deste ano.

Por outro lado, a estrutura das compensações inseridas na nossa economia é de tal forma que, sem que disso nos apercebamos, premeia mais a ausência de acção do que a acção. Qualquer indivíduo, em Portugal ou nos Estados Unidos é atraído por uma promessa de sucesso: se para mim for mais compensador possuir um espaço inactivo do que tê-lo a funcionar, se as actividades especulativas ou rentistas forem mais atraentes do que a economia real, é por elas que eu irei optar. E todos nós podemos encontrar inúmeros destes exemplos nos centros das nossas cidades, no interior do país ou nos nossos conhecimentos pessoais.

Não há dúvida de que Portugal e outros países europeus enfrentam o desafio conjunto do empreendedorismo e da inovação para poderem alcançar um determinado nível de emprego e de desenvolvimento económico, mas quanto mais conheço o modelo americano mais me convenço que ele não nos serve ou pelo menos não o podemos adoptar sem profundamente o adaptar. Na Europa os países de maior sucesso competitivo – a Suécia, a Finlândia, a própria Espanha – foram os que desenvolveram modelos de empreendedorismo endógenos, baseados nas vantagens e desvantagens dos seus múltiplos contextos locais. É por isso que existem claramente dentro de mim duas pessoas: uma acredita que é preciso formar e a outra pergunta se não estaremos a formar para falhar.

Virgínia Trigo
ISCTE Business School

8/19/2010

Fit to Perform?

How does health affect work performance? And how does work performance affect health? General Electric Company (GE) asked over 500 global corporate executives for their opinion. These results are the first part of a wide-ranging investigation into the critical health care issues around the world. The broader "Health of Nations" program of research and analysis, created for GE by the Economist Intelligence Unit.
http://www.ge.com/visualization/fittoperform/index.html

AF

8/16/2010

How quickly can you start a business around the world?



Este interessante mapa dá-nos a perspectiva de quanto tempo demora a criação de uma nova empresa. Nos  EUA e em Portugal esse tempo é de 6 dias. Já em Espanha passa para uns demorados 47 dias e no Brasil 120. O País mais rápido para o registo de uma start-up é sem dúvida a Nova Zelândia.

Refira-se que nas regiões de tons laranja e vermelho a propensão para a corrupção é tendencialmente maior porque há mais oportunidades para suborno.


AF

8/10/2010

CRONICAS DA CHINA de Virginia Trigo - 'O Turista da China'


Castelo de S. Jorge


O presidente chinês Hu Jintao suspendeu a visita que tinha programada ao nosso país em 10 e 11 de Julho passados para regressar antecipadamente à China no seguimento dos acontecimentos na província de Xinjiang. Embora tenha delegado no Conselheiro de Estado Dai Bingguo a sua representação na cimeira dos G8, Hu preferiu reprogramar a visita a Portugal, mas fazê-la pessoalmente o que será um indicativo da relevância que a China dá às relações com o nosso país com o qual assinou uma parceria estratégica em 2005. Celebra-se este ano o 30º aniversário do estabelecimento de relações diplomáticas entre Portugal e a RPC e o 10º da transferência da administração de Macau.

Com Hu viajaria até Lisboa uma delegação de mais de 200 empresários chineses desejosos de alargarem as suas operações para a Europa – a proclamada estratégia going out – alguns deles começando, porque não, por Portugal. Surpreende-me a quase total ausência de notícias e a nenhuma discussão sobre este importante assunto na comunicação social portuguesa. Faz agora precisamente 20 anos que estudo a China, onde vivi, onde vou frequentemente e sobre a qual fiz a minha tese de doutoramento e é-me difícil compreender e aceitar o nosso desinteresse e até menosprezo por aquela que já é a terceira economia do mundo e, eu sei, ameaça tornar-se muito mais. Fruto de intenso trabalho negocial o ISCTE tem um DBA (Doctor of Business Administration) na China e os nossos mais de 30 doutorandos, muitos deles empresários importantes à nossa escala, perguntam-me frequentemente quais as possibilidades de cooperação com o nosso país. O que lhes hei-de responder?

Mas não é Hu Jintao o “turista da China” de que vos quero falar. É Tongyan que visitou Lisboa há duas semanas para um programa doutoral no ISCTE, embora “visitar” seja neste caso um verbo demasiado forte. Tongyan, uma executiva de Pequim, directora de marketing numa importante farmacêutica, começou por recusar todos os meus convites para visitar a nossa cidade argumentando muito que estudar, muito que fazer e não saía da rotina hotel, aulas, hotel. Ao quinto dia consegui convencê-la. E foi ali, na muralha do castelo, enquanto o dia se dissolvia na noite, olhando o azul do Tejo, os barcos ocasionais entre as margens, os telhados derramados sobre a colina, que Tongyan me disse de repente, como numa confissão: “Recomendaram-me que não perdesse muito tempo em Lisboa, que era uma cidade suja, envelhecida, pequena e desordenada, sem qualquer ponto de interesse”. Fiquei chocada. Quem? Precisamente um grupo de médicos chineses, mais de uma dezena, que no princípio de Junho aqui esteve para um congresso internacional. No regresso à China foi essa a mensagem que os médicos levaram da nossa cidade. E andam a espalhá-la.

Semelhante percepção deveria preocupar-nos pois a China será em breve um dos maiores mercados emissores de turistas do mundo. Em cinco anos o número mais do que duplicou: de 16,6 milhões em 2002 passaram para 40,9 milhões em 2007. Gastam em média 2.100 euros por pessoa e por viagem e, enquanto o número de chineses afluentes cresce, aumenta também o seu desejo de viajar estimulado pelo próprio governo através da liberalização e de incentivos como o aumento do número de dias de férias ou de países com estatuto de “destino turístico aprovado”. O turismo de negócios é também cada vez mais importante em resultado do forte crescimento económico do país e da crescente presença da China na economia mundial. Muitos, mais de 87% segundo revelou um inquérito recente, aproveitam para juntar o negócio ao lazer beneficiando com isso o país de destino.

Tongyan poderia ter sido um desses turistas. Tem um rendimento elevado, é curiosa e aventureira, conhece quase toda a Europa e é esta a primeira vez que vem a Portugal. Acha pena que o nosso país e a nossa cidade possam ter ganho uma má reputação e lembra que o turista chinês não é um turista qualquer. Gosta de viajar em pequenos grupos e de maximizar o valor da sua estada onde quer que seja. Programas compactos não são problema, é preciso visitar muito e receber muita informação. Noutros países que Tongyan já visitou os quartos de hotel têm chaleiras eléctricas para a preparação do chá e também folhetos com informação útil do ponto de vista do turista chinês sobre o que e quando fazer. Esses países pretendem encorajar e capacitar os visitantes chineses a darem os primeiros passos e esperam com entusiasmo a continuação das excursões.

Virgínia Trigo

ISCTE Business School

8/03/2010

Burgernomics: Indice BIG MAC


Big Mac

A semana passada, a The Economist publicou o Indice Big Mac actualizado (criado em 1986) que compara o preço de um Big Mac em varios paises do Mundo. O Big Mac é um índice calculado sobre o preço do Big Mac em mais de 100 países, tendo como objectivo medir o grau de sobre ou subvalorização de uma moeda em relação ao dólar americano. O princípio é que os procedimentos operacionais da cadeia McDonald's são os mesmo em todos os países, inclusive a margem de contribuição por produto.

 

E' baseado na teoria purchasing-power parity (PPP). Em economia a paridade do poder de compra é um método alternativo à taxa de câmbio para se calcular o poder de compra de dois países. Mede quanto é que uma determinada moeda pode comprar em termos internacionais (normalmente dólar), relacionando o poder aquisitivo de tal pessoa com o custo de vida do local.


AF

8/02/2010

CRONICAS DA CHINA de Virginia Trigo - 'Dar Corda a um Cão'

Nesta sala de aeroporto acaba de passar-se uma coisa engraçada. Eu estou com o meu livro, um café e uma caixa de biscoitos na mesa de apoio à esquerda da minha cadeira e eis senão quando o meu companheiro de espera, um senhor chinês de raros cabelos brancos, estende uma mão silenciosa e subrepticiamente me rouba um deles. Olho-o com alguma indignação. O rosto era plácido, com uma certa sabedoria nos olhos como se de facto vissem o que estavam a olhar, mas ainda assim aproximo a caixa um pouco mais para o meu lado retirando eu própria ostensivamente um biscoito. Passados alguns minutos, de novo a mão se aproxima da caixa e lá vai mais um. Só restam dois. Não quero gerar nenhum incidente internacional, por isso enterro-me mais profundamente na cadeira e, antes que se acabem, forço-me a comer o penúltimo. O meu companheiro levanta-se, finalmente chamaram o seu voo e, para minha surpresa, agarra a caixa com as duas mãos, faz uma ligeira vénia e oferece-ma dizendo: You may have it, please. É preciso ter lata! Foi já muito depois, quando chega a minha vez de embarcar, que abro a mala para guardar o livro e vejo lá dentro, intacta, uma caixa de biscoitos. Que embaraço... e fico a ranger os dentes.


Sun Tzu (孫子) (pinyin: Sūn Zǐ) (544 – 496 A.C.)

Dar corda a um cão, como recomenda Sun Zi em “A Arte da Guerra”, não é jogar à defesa, é jogar ao ataque: o cão enleia-se na sua própria corda e, por si só, há-de pôr fim ao seu destino. Tema recorrente na mitologia chinesa esta ideia de que se pode ganhar sem lutar, utilizando até gentileza para com o adversário e de que o ataque é o mais indesejável e o menos aconselhável dos planos, está presente em livros, ditos populares e em muitas histórias de encantar. Por isso um grupo inteiro de seis dos especiosos 36 estratagemas que muitas crianças chinesas ouvem à noite ao deitar é especialmente dedicado a explorar tácticas que evitam o ataque e minimizam a exposição. São tácticas intemporais do Oriente de que relevamos ensinamentos imediatos para a nossa situação e muito podem ajudar a negociação e a gestão e até a mim naquela sala de aeroporto.

Ao contrário de outros livros conhecidos da literatura chinesa, os 36 estratagemas não têm um autor único. São antes uma colectânea de contribuições de líderes militares, políticos, escritores, filósofos e de pessoas comuns, elaboradas e aperfeiçoadas ao longo de cinco mil anos de guerras, de golpes de estado, de intrigas, de inovações económicas e tecnológicas. Têm importância prática para quem quer que se interesse pela dinâmica da história, da política, dos negócios ou das relações humanas. Em particular o 16º estratagema recomenda: “Apanha o inimigo dando-lhe corda, deixando-o escapar” e existem inúmeras histórias que ilustram esta técnica. Há muitos anos atrás, na época dos Três Reinos (220 – 280), o marquês Zhi Bo exigiu que um dos seus nobres, Wei Huan Zi, lhe desse as suas terras. Wei procurou aconselhar-se com um amigo que lhe disse: “Deves dar-lhas. O marquês é de uma ganância insaciável. Se lhe deres as tuas terras, o seu apetite aumentará e todos os nobres se irão juntar para o combater”. Wei seguiu o conselho e foi o que aconteceu: os nobres acabaram por se apoderar das terras do marquês que dividiram entre si para benefício de Wei.

Mapa dos Três Reinos

O mesmo estratagema foi utilizado por Mao Zedong em 1936 quando a China se encontrava no meio de uma luta de resistência frente à ocupação do Japão. Com Chiang Kai-shek, o seu maior inimigo interno, prisioneiro dos seus próprios generais, Mao negociou a sua libertação para criarem uma frente unida contra o Japão. Expulsos os japoneses retomou a guerra civil e dentro de poucos anos Mao dominava todo o país. “Dar para tirar”, foi a expressão que ele próprio utilizou. A sensação de liberdade leva a que o adversário não tome medidas radicais ou inesperadas, a que diminua a resistência e torne mais fácil, e com menos meios, o ataque. Em muitos casos o ataque não se recomenda porque nos expõe directamente à fúria do adversário e nos sujeita a perdas maiores.

Também existem exemplos ocidentais da utilização desta estratégia. Lembram-se quando a Coca-Cola decidiu combater a Pepsi dando um sabor mais açucarado à sua fórmula? Em breve os consumidores se revoltaram exigindo o regresso do sabor clássico ao que, claro, a Coca Cola acedeu. Em resultado, não só aumentou as suas vendas como também as dos produtos açucarados que entretanto criara. A empresa “rendeu-se” aos consumidores para mais tarde os “apanhar”. A rendição aparente pode de facto ser uma vitória, mas para que isso aconteça é necessário que preparemos o terreno psicológico de forma a que o alvo da estratégia seja induzido a atribuir valor à sua própria rendição.

“Relaxa e deixa que o inimigo se canse” é outra versão deste estratagema muito utilizada pelos chineses nas suas negociações com os ocidentais, mas no seu conjunto, os 36 estratagemas ensinam uma nova forma de pensar e de compreender o comportamento dos outros, essencial em qualquer negociação. Um a um proporcionam uma oportunidade de contar uma ou muitas histórias. Contar histórias é a forma mais poderosa de comunicar porque exige da parte de quem nos lê uma data de imaginação. Se as circunstâncias o permitirem, eu hei-de contar-vos mais histórias.

Virgínia Trigo
ISCTE Business School