3/04/2011

CRÓNICAS DA CHINA de Virgínia Trigo: Uma questão de estratégia

Como é habitual por alturas do Ano Novo Chinês, o que aconteceu recentemente em 3 de Fevereiro, recebo sempre inúmeras felicitações e desejos de que o novo ano me seja muito próspero. Vem tudo acompanhado por diversas interpretações do que representa aquele animal no zodíaco chinês e em especial do que ele representará para mim, o que nem sempre é coisa boa ou fácil de entender considerando que a maior parte das traduções foi feita pelo google.



Fiquei pois a saber que este – o ano do Coelho (tu zi em chinês) – irá ser um ano de reflexão em que todos poderemos “respirar e acalmar os nervos”. Deveremos também concentrar-nos na família, na segurança e na diplomacia, o que não parecem ser maus conselhos. Segundo me afiançou a minha amiga Yi Lin, ela própria Coelho, estes figuram sempre na lista das pessoas melhor vestidas, são carismáticos, pensativos e calmos. São também pessoas de confiança para relações de negócio e possuem a qualidade mais admirada por todos os chineses: são grandes estrategas. Numa negociação nunca mostram os seus trunfos até que chegue o momento exacto, e sabem instintivamente o que fazer em cada ocasião.

Yi Lin está mesmo certa de que o seu herói preferido, Zhuge Liang, cujo feito mais notável está descrito no romance clássico “Os Três Reinos”, seria Coelho. O episódio passou-se há muitos anos quando a China estava dividida em três reinos e o exército do temível general Cao Cao se aglomerava na margem norte do rio Yangtse preparando-se para atacar os exércitos dos outros dois reinos, na margem sul, rivais e aliados. Estes eram chefiados por Zhou Yu e Zhuge Liang mas temiam o momento do confronto porque não tinham flechas em número suficiente. Que não se preocupassem, garantiu Zhuge Liang, ele mesmo se encarregaria de arranjar nada menos do que cem mil flechas no prazo de três dias. Tal feito parecia impossível tanto mais que Zhuge Liang, em vez de se dedicar a qualquer actividade digna, passou o tempo a beber e a compor poemas. A única coisa que fez foi ordenar a construção de um sem número de barcos de palha.

Um dia antes de terminado o prazo, quando um espesso nevoeiro se instalou sobre o rio, Zhuge Liang mandou avançar uma vintena de barcos ao ritmo de tambores colocando os outros bem em evidência sobre o cais. Olhando para as imagens fantasmagóricas que avançavam sobre si, Cao Cao, ordenou ao seu exército que disparasse e fê-lo com uma fúria tal que, recolhidos os barcos de palha, a quantidade de flechas ultrapassou largamente o número pretendido.

A figura importante nesta história é o estratega, aquele que sabe aproveitar o potencial de uma situação, o que não se fixa na acção, mas em tudo o que está a montante da acção e nas condições que a propiciam como, neste caso, o nevoeiro habitual no rio naquela época do ano. A eficácia é tanto maior quanto mais discreta for a estratégia.

Quanto a mim, creio que não só Zhuge Liang, mas toda a diplomacia chinesa é Coelho, como ainda recentemente ficou demonstrado nos incidentes de Setembro passado entre a China e o Japão sobre as muito disputadas ilhas de Diaoyu (Senkaku para os japoneses), quando um barco de pesca chinês colidiu com um navio da guarda costeira japonesa culminando com a detenção do capitão chinês. Enquanto ambos os lados clamavam quanto à libertação, a diplomacia chinesa fez discretamente saber que aquelas encomendas de terras raras que o Japão fizera poderiam estar atrasadas ou o preço poderia inclusivamente aumentar. Foi quanto bastou para que o capitão fosse libertado e para que o mundo acordasse para a questão das terras raras, o conjunto de 17 minerais que são utilizados em tudo o que integra a electrónica moderna e a tecnologia “verde” – cada Toyota Prius leva quase um quilo – e de que a China é simplesmente o maior fornecedor mundial.

Enquanto isso, Yi Lin lembrou-me que o Coelho simboliza a lua, enquanto o pavão simboliza o sol. Em conjunto estes dois animais representam o princípio e o fim do dia, o Yin e o Yang da vida, pelo que, no ano do Coelho, a satisfação dos nossos pedidos e desejos poderá ser multiplicada. Se em cada uma das doze luas que hão-de compor este ano tivermos o cuidado de observar a lua cheia, o nosso “eu” interior (qi) será fortificado e a sabedoria entrará nas nossas vidas. É uma questão de estratégia.

Virgínia Trigo
ISCTE Business School

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