12/29/2010
12/10/2010
11/25/2010
CRÓNICAS DA CHINA de Virgínia Trigo - 'A Glória Breve da Pasta de Sardinha Manná em Hong Kong'
Se houvesse uma espécie de concurso para Miss Universo entre todas as cidades do mundo, Hong Kong iria por certo ter muitas nomeações: possui o terminal de aeroporto com o maior volume de carga aérea do mundo (cerca de 2,5 milhões de toneladas de carga por ano) e também o maior porto de contentores; o maior consumo de brandy e cognac per capita; o maior número de Rolls Royce por quilómetro quadrado; o maior passeio rolante; o maior consumo de laranjas (25 kg por ano e por pessoa); o maior consumo de collants por cada par de pernas e, com o maior número de bilionários por cada cem milhões de pessoas, os habitantes de Hong Kong mostram-se particularmente imunes a assomos de inveja social.
Em muitos outros aspectos, apesar da ambiciosa concorrência de Xangai, Hong Kong continua imbatível: é considerada pelo Índice de Liberdade Económica da Heritage Foundation, há 16 anos consecutivos, a economia mais livre do mundo; ocupa o segundo lugar no Easy of Doing Business Index do Banco Mundial; possui um sistema financeiro sólido, vastas reservas de divisas estrangeiras, praticamente não tem dívida pública, o sistema legal é forte e as medidas anti-corrupção rigorosas. Tudo garantias para que Hong Kong continue a ser para os serviços – 91% do seu PIB – o coração da Ásia.
Em certos dias Hong Kong tem também as maiores filas à porta das lojas Louis Vuitton de que tenho memória e é, pude por diversas vezes comprová-lo, o sítio onde as pessoas carregam mais depressa no botão “Fechar a Porta” de um elevador quando vêem alguém a correr para entrar. Foi num desses dias, já a sair do elevador, que a minha amiga Nancy Lau me telefonou para pedir, considerando a minha deslocação em breve a Hong Kong, que lhe levasse algumas embalagens de Pasta de Sardinha Manná. De Portugal? perguntei. Sim, esta pasta não podia ser encontrada em Hong Kong e tinha simplesmente desaparecido das prateleiras dos supermercados em Macau. Depois me explicaria.
O fenómeno ficara a dever-se à breve mas entusiástica referência ao produto pela estrela de televisão So Sze Wong na série 2 do seu programa “So Good”. DJ, especialista e crítica de cozinha dotada de um estilo e personalidade únicos, So Sze procura especialidades dentro e fora de Hong Kong para as apresentar a uma vasta audiência que vibra com os seus gestos largos e decididos e sobretudo com os seus famosos “Ah So!” exclamados sempre que se depara com algo que a surpreende ou encanta. E foi precisamente com um “Ah So” profundo e vibrante que ela declarou a pasta de sardinha Manná deliciosa. Para que não restassem dúvidas provou-a ali mesmo, em frente do público e exclamou “Ah So!”. Foi quanto bastou para que, no fim de semana seguinte, a população de Hong Kong se precipitasse para Macau em busca do recém descoberto e precioso produto dizimando-o dos supermercados.
O entusiasmo gerado por So Sze não terá durado mais do que escassas semanas, mas os supermercados levaram algum tempo a recompor-se como sempre acontece quando So Sze desencadeia um súbito interesse em algo, provocando uma urgência premente em o adquirir e, se possível, armazenar. A minha amiga Nancy, como os seus concidadãos de Hong Kong, prefere as noites longas, a vida da cidade, o barulho constante da multidão, as filas que põem à prova o seu estoicismo, uma partilhada impaciência colectiva, mas ainda assim não consegue esconder um certo ressentimento para com So Sze e não apenas por causa da escassez da pasta de sardinha Manná. Logo a seguir e ainda em Macau, So Sze escolheu como alvo uma pequena loja de sopa de fitas que habitualmente servia alunos do liceu que Nancy frequentara em criança. Desorientado e incapaz de corresponder a uma tão súbita avalanche da procura, o dono que pacatamente geria a loja há mais de trinta anos, fechou-a provocando um sentimento de orfandade nas várias gerações que, na sua infância e juventude, se tinham deliciado em Macau com o stock limitado, mas servido de forma generosa, de uma loja que jamais tinham visto fechada.
Virgínia Trigo
ISCTE-IUL Business School
11/19/2010
11/03/2010
Young Entrepreneur Rich List
Eles são jovens, ricos e empreendedores. Arriscaram e tiveram sucesso e tu?
O artigo na íntegra aqui. |
Post by: Cláudia Barbosa
10/28/2010
YA!
YA First Step é uma nova iniciativa do AUDAX em parceria com a UPAJE.
YA First Step é uma formação dinâmica e pedagógica que activa o espírito empreendedor dos jovens 13 aos 18 anos. De uma forma divertida são transmitidos os fundamentos básicos para a criação de um negócio.
É uma experiência de 4 dias* que terá lugar nas instalações do ISCTE-IUL, proporcionando aos jovens o primeiro contacto com uma instituição académica de excelência.
* 20 a 23 de Dezembro de 2010, das 9:00 às 18:00.
A YA First Step abordará temáticas como:
empreendedorismo | marketing | criação de valor | introdução às finanças | plano de negócios | técnicas de apresentação de projectos a investidores e ao público | teambuilding | inovação
... e ainda contemplará uma visita a uma incubadora de empresas.
As inscrições estão abertas até dia 14 de Dezembro, mais informações em www.audax.iscte.pt ou www.upaje.pt .
Post by: Cláudia Barbosa
10/15/2010
Sente-se bloqueado e pouco inspirado?
Talvez o problema não seja seu, mas da cidade onde vive. O Innovation Cities (TM) Program apresentou o ranking das cidades europeias mais inovadoras.
Fonte: Innovation Cities Program Index
Post: Ana Fonseca | AUDAX
Fonte: Innovation Cities Program Index
Post: Ana Fonseca | AUDAX
8/27/2010
8/26/2010
CRONICAS DE EMPREENDEDORISMO de Virginia Trigo - 'Formar para falhar'
Quando regressei a Portugal, depois de mais de treze anos fora do país, muita gente me perguntou como me estava a adaptar. Esses primeiros tempos adquiriram hoje a qualidade de um sonho, ou melhor, da memória de um sonho. Imaginem um fantasma de regresso à sua antiga casa para finalizar uma tarefa inacabada: a estrutura é vagamente familiar, onde dantes havia uma porta está agora uma janela; a biblioteca é um quarto pintado de azul onde as crianças brincam; na sala há um televisor novo. Esta é a minha casa e ao mesmo tempo não é. Posso circular livremente, mas ninguém me vê. Sou absolutamente irrelevante o que me dá uma certa vantagem para observar.
Ainda assim foi já depois do meu regresso que assisti a um fenómeno singular: o da ascensão e disseminação, até agora imparáveis, da palavra empreendedorismo. Quando em 2003 o ISCTE avançou com um dos primeiros cursos a nível de licenciatura, os meus alunos não faziam a mínima ideia ao que iam, mas apenas dois ou três anos depois, de norte a sul do país, no ensino superior e também já no secundário, por todo o lado existem disciplinas ou actividades relacionadas com empreendedorismo. Ainda bem. De costume procuramos sempre mudar qualquer coisa fora de nós quando o que é necessário mudar é a nossa forma de pensar para podermos então mudar os nossos desejos e acções.
E eis que me encontro de novo fora de Portugal, precisamente em Silicon Valley, no baluarte do empreendedorismo mundial. Os meus dias seguem os ritmos caprichosos destes meses de primavera, recheados de múltiplas sessões de empreendedorismo, ao sabor dos planos dos meus anfitriões e para meu prazer verdadeiro. Um exemplo? Na madrugada de 29 de Abril um camião cheio de combustível despenhou-se num dos viadutos que ligam Oakland a S. Francisco. Incendiou-se e derreteu toda a estrutura fazendo-a abater. De imediato foram tomadas várias medidas: o governador determinou “estado de emergência”; o BART (sistema ferroviário da zona da Baía) forneceu dois dias de transporte gratuito; por todo o lado se anunciavam percursos alternativos; ainda não eram passadas 24 horas já a obra estava adjudicada e a arrancar. No dia 1 de Maio nem um escombro restava, apenas um pó dourado se elevava com o vento, em espiral, como uma breve saia voadora. Dez dias depois do acidente, o construtor anunciava e as imagens mostravam que, nesse dia às 5 da manhã, um viaduto provisório seria aberto nos dois sentidos. Entretanto as obras continuariam e a nova ponte estaria pronta em 27 de Junho. Por cada dia de antecipação o construtor receberá 200.000 dólares e pagará outro tanto por cada dia de atraso.
O que torna possível este exemplo de empreendedorismo público e privado, e muitas vezes esquecemos, são os aspectos sistémicos – não transferíveis – do modelo americano, no qual o empreendedorismo se insere e de que fazem parte um conjunto de políticas, suportadas por atitudes culturais e sociais favoráveis, que definem a relação risco/recompensa de potenciais empreendedores. O empreendedorismo desenvolve-se em ecossistema e é profundamente afectado pelos contextos locais em que ocorre. No caso do nosso país dois aspectos contextuais são absolutamente singulares: por um lado a institucionalização entre nós do não pagamento ou do atraso no pagamento inibe a acção empreendedora porque (i) impede materialmente a realização continuada das transacções; (ii) quebra a confiança nas pessoas e no sistema; e (iii) se traduz numa falta de respeito pela actividade empreendedora não atraindo mais e porventura melhores indivíduos ao sistema. Disso já aqui falei num artigo de 2 de Janeiro deste ano.
Por outro lado, a estrutura das compensações inseridas na nossa economia é de tal forma que, sem que disso nos apercebamos, premeia mais a ausência de acção do que a acção. Qualquer indivíduo, em Portugal ou nos Estados Unidos é atraído por uma promessa de sucesso: se para mim for mais compensador possuir um espaço inactivo do que tê-lo a funcionar, se as actividades especulativas ou rentistas forem mais atraentes do que a economia real, é por elas que eu irei optar. E todos nós podemos encontrar inúmeros destes exemplos nos centros das nossas cidades, no interior do país ou nos nossos conhecimentos pessoais.
Não há dúvida de que Portugal e outros países europeus enfrentam o desafio conjunto do empreendedorismo e da inovação para poderem alcançar um determinado nível de emprego e de desenvolvimento económico, mas quanto mais conheço o modelo americano mais me convenço que ele não nos serve ou pelo menos não o podemos adoptar sem profundamente o adaptar. Na Europa os países de maior sucesso competitivo – a Suécia, a Finlândia, a própria Espanha – foram os que desenvolveram modelos de empreendedorismo endógenos, baseados nas vantagens e desvantagens dos seus múltiplos contextos locais. É por isso que existem claramente dentro de mim duas pessoas: uma acredita que é preciso formar e a outra pergunta se não estaremos a formar para falhar.
Virgínia Trigo
ISCTE Business School
8/20/2010
8/19/2010
Fit to Perform?
How does health affect work performance? And how does work performance affect health? General Electric Company (GE) asked over 500 global corporate executives for their opinion. These results are the first part of a wide-ranging investigation into the critical health care issues around the world. The broader "Health of Nations" program of research and analysis, created for GE by the Economist Intelligence Unit.
http://www.ge.com/visualization/fittoperform/index.html AF |
8/17/2010
8/16/2010
How quickly can you start a business around the world?
Este interessante mapa dá-nos a perspectiva de quanto tempo demora a criação de uma nova empresa. Nos EUA e em Portugal esse tempo é de 6 dias. Já em Espanha passa para uns demorados 47 dias e no Brasil 120. O País mais rápido para o registo de uma start-up é sem dúvida a Nova Zelândia.
Refira-se que nas regiões de tons laranja e vermelho a propensão para a corrupção é tendencialmente maior porque há mais oportunidades para suborno.
AF
8/10/2010
CRONICAS DA CHINA de Virginia Trigo - 'O Turista da China'
Castelo de S. Jorge
O presidente chinês Hu Jintao suspendeu a visita que tinha programada ao nosso país em 10 e 11 de Julho passados para regressar antecipadamente à China no seguimento dos acontecimentos na província de Xinjiang. Embora tenha delegado no Conselheiro de Estado Dai Bingguo a sua representação na cimeira dos G8, Hu preferiu reprogramar a visita a Portugal, mas fazê-la pessoalmente o que será um indicativo da relevância que a China dá às relações com o nosso país com o qual assinou uma parceria estratégica em 2005. Celebra-se este ano o 30º aniversário do estabelecimento de relações diplomáticas entre Portugal e a RPC e o 10º da transferência da administração de Macau.
Com Hu viajaria até Lisboa uma delegação de mais de 200 empresários chineses desejosos de alargarem as suas operações para a Europa – a proclamada estratégia going out – alguns deles começando, porque não, por Portugal. Surpreende-me a quase total ausência de notícias e a nenhuma discussão sobre este importante assunto na comunicação social portuguesa. Faz agora precisamente 20 anos que estudo a China, onde vivi, onde vou frequentemente e sobre a qual fiz a minha tese de doutoramento e é-me difícil compreender e aceitar o nosso desinteresse e até menosprezo por aquela que já é a terceira economia do mundo e, eu sei, ameaça tornar-se muito mais. Fruto de intenso trabalho negocial o ISCTE tem um DBA (Doctor of Business Administration) na China e os nossos mais de 30 doutorandos, muitos deles empresários importantes à nossa escala, perguntam-me frequentemente quais as possibilidades de cooperação com o nosso país. O que lhes hei-de responder?
Mas não é Hu Jintao o “turista da China” de que vos quero falar. É Tongyan que visitou Lisboa há duas semanas para um programa doutoral no ISCTE, embora “visitar” seja neste caso um verbo demasiado forte. Tongyan, uma executiva de Pequim, directora de marketing numa importante farmacêutica, começou por recusar todos os meus convites para visitar a nossa cidade argumentando muito que estudar, muito que fazer e não saía da rotina hotel, aulas, hotel. Ao quinto dia consegui convencê-la. E foi ali, na muralha do castelo, enquanto o dia se dissolvia na noite, olhando o azul do Tejo, os barcos ocasionais entre as margens, os telhados derramados sobre a colina, que Tongyan me disse de repente, como numa confissão: “Recomendaram-me que não perdesse muito tempo em Lisboa, que era uma cidade suja, envelhecida, pequena e desordenada, sem qualquer ponto de interesse”. Fiquei chocada. Quem? Precisamente um grupo de médicos chineses, mais de uma dezena, que no princípio de Junho aqui esteve para um congresso internacional. No regresso à China foi essa a mensagem que os médicos levaram da nossa cidade. E andam a espalhá-la.
Semelhante percepção deveria preocupar-nos pois a China será em breve um dos maiores mercados emissores de turistas do mundo. Em cinco anos o número mais do que duplicou: de 16,6 milhões em 2002 passaram para 40,9 milhões em 2007. Gastam em média 2.100 euros por pessoa e por viagem e, enquanto o número de chineses afluentes cresce, aumenta também o seu desejo de viajar estimulado pelo próprio governo através da liberalização e de incentivos como o aumento do número de dias de férias ou de países com estatuto de “destino turístico aprovado”. O turismo de negócios é também cada vez mais importante em resultado do forte crescimento económico do país e da crescente presença da China na economia mundial. Muitos, mais de 87% segundo revelou um inquérito recente, aproveitam para juntar o negócio ao lazer beneficiando com isso o país de destino.
Tongyan poderia ter sido um desses turistas. Tem um rendimento elevado, é curiosa e aventureira, conhece quase toda a Europa e é esta a primeira vez que vem a Portugal. Acha pena que o nosso país e a nossa cidade possam ter ganho uma má reputação e lembra que o turista chinês não é um turista qualquer. Gosta de viajar em pequenos grupos e de maximizar o valor da sua estada onde quer que seja. Programas compactos não são problema, é preciso visitar muito e receber muita informação. Noutros países que Tongyan já visitou os quartos de hotel têm chaleiras eléctricas para a preparação do chá e também folhetos com informação útil do ponto de vista do turista chinês sobre o que e quando fazer. Esses países pretendem encorajar e capacitar os visitantes chineses a darem os primeiros passos e esperam com entusiasmo a continuação das excursões.
Virgínia Trigo
ISCTE Business School
8/03/2010
Burgernomics: Indice BIG MAC
Big Mac
A semana passada, a The Economist publicou o Indice Big Mac actualizado (criado em 1986) que compara o preço de um Big Mac em varios paises do Mundo. O Big Mac é um índice calculado sobre o preço do Big Mac em mais de 100 países, tendo como objectivo medir o grau de sobre ou subvalorização de uma moeda em relação ao dólar americano. O princípio é que os procedimentos operacionais da cadeia McDonald's são os mesmo em todos os países, inclusive a margem de contribuição por produto.
E' baseado na teoria purchasing-power parity (PPP). Em economia a paridade do poder de compra é um método alternativo à taxa de câmbio para se calcular o poder de compra de dois países. Mede quanto é que uma determinada moeda pode comprar em termos internacionais (normalmente dólar), relacionando o poder aquisitivo de tal pessoa com o custo de vida do local.
Fonte: The Economist
AF
8/02/2010
CRONICAS DA CHINA de Virginia Trigo - 'Dar Corda a um Cão'
Nesta sala de aeroporto acaba de passar-se uma coisa engraçada. Eu estou com o meu livro, um café e uma caixa de biscoitos na mesa de apoio à esquerda da minha cadeira e eis senão quando o meu companheiro de espera, um senhor chinês de raros cabelos brancos, estende uma mão silenciosa e subrepticiamente me rouba um deles. Olho-o com alguma indignação. O rosto era plácido, com uma certa sabedoria nos olhos como se de facto vissem o que estavam a olhar, mas ainda assim aproximo a caixa um pouco mais para o meu lado retirando eu própria ostensivamente um biscoito. Passados alguns minutos, de novo a mão se aproxima da caixa e lá vai mais um. Só restam dois. Não quero gerar nenhum incidente internacional, por isso enterro-me mais profundamente na cadeira e, antes que se acabem, forço-me a comer o penúltimo. O meu companheiro levanta-se, finalmente chamaram o seu voo e, para minha surpresa, agarra a caixa com as duas mãos, faz uma ligeira vénia e oferece-ma dizendo: You may have it, please. É preciso ter lata! Foi já muito depois, quando chega a minha vez de embarcar, que abro a mala para guardar o livro e vejo lá dentro, intacta, uma caixa de biscoitos. Que embaraço... e fico a ranger os dentes.
Sun Tzu (孫子) (pinyin: Sūn Zǐ) (544 – 496 A.C.)
Dar corda a um cão, como recomenda Sun Zi em “A Arte da Guerra”, não é jogar à defesa, é jogar ao ataque: o cão enleia-se na sua própria corda e, por si só, há-de pôr fim ao seu destino. Tema recorrente na mitologia chinesa esta ideia de que se pode ganhar sem lutar, utilizando até gentileza para com o adversário e de que o ataque é o mais indesejável e o menos aconselhável dos planos, está presente em livros, ditos populares e em muitas histórias de encantar. Por isso um grupo inteiro de seis dos especiosos 36 estratagemas que muitas crianças chinesas ouvem à noite ao deitar é especialmente dedicado a explorar tácticas que evitam o ataque e minimizam a exposição. São tácticas intemporais do Oriente de que relevamos ensinamentos imediatos para a nossa situação e muito podem ajudar a negociação e a gestão e até a mim naquela sala de aeroporto.
Ao contrário de outros livros conhecidos da literatura chinesa, os 36 estratagemas não têm um autor único. São antes uma colectânea de contribuições de líderes militares, políticos, escritores, filósofos e de pessoas comuns, elaboradas e aperfeiçoadas ao longo de cinco mil anos de guerras, de golpes de estado, de intrigas, de inovações económicas e tecnológicas. Têm importância prática para quem quer que se interesse pela dinâmica da história, da política, dos negócios ou das relações humanas. Em particular o 16º estratagema recomenda: “Apanha o inimigo dando-lhe corda, deixando-o escapar” e existem inúmeras histórias que ilustram esta técnica. Há muitos anos atrás, na época dos Três Reinos (220 – 280), o marquês Zhi Bo exigiu que um dos seus nobres, Wei Huan Zi, lhe desse as suas terras. Wei procurou aconselhar-se com um amigo que lhe disse: “Deves dar-lhas. O marquês é de uma ganância insaciável. Se lhe deres as tuas terras, o seu apetite aumentará e todos os nobres se irão juntar para o combater”. Wei seguiu o conselho e foi o que aconteceu: os nobres acabaram por se apoderar das terras do marquês que dividiram entre si para benefício de Wei.
Mapa dos Três Reinos
O mesmo estratagema foi utilizado por Mao Zedong em 1936 quando a China se encontrava no meio de uma luta de resistência frente à ocupação do Japão. Com Chiang Kai-shek, o seu maior inimigo interno, prisioneiro dos seus próprios generais, Mao negociou a sua libertação para criarem uma frente unida contra o Japão. Expulsos os japoneses retomou a guerra civil e dentro de poucos anos Mao dominava todo o país. “Dar para tirar”, foi a expressão que ele próprio utilizou. A sensação de liberdade leva a que o adversário não tome medidas radicais ou inesperadas, a que diminua a resistência e torne mais fácil, e com menos meios, o ataque. Em muitos casos o ataque não se recomenda porque nos expõe directamente à fúria do adversário e nos sujeita a perdas maiores.
Também existem exemplos ocidentais da utilização desta estratégia. Lembram-se quando a Coca-Cola decidiu combater a Pepsi dando um sabor mais açucarado à sua fórmula? Em breve os consumidores se revoltaram exigindo o regresso do sabor clássico ao que, claro, a Coca Cola acedeu. Em resultado, não só aumentou as suas vendas como também as dos produtos açucarados que entretanto criara. A empresa “rendeu-se” aos consumidores para mais tarde os “apanhar”. A rendição aparente pode de facto ser uma vitória, mas para que isso aconteça é necessário que preparemos o terreno psicológico de forma a que o alvo da estratégia seja induzido a atribuir valor à sua própria rendição.
“Relaxa e deixa que o inimigo se canse” é outra versão deste estratagema muito utilizada pelos chineses nas suas negociações com os ocidentais, mas no seu conjunto, os 36 estratagemas ensinam uma nova forma de pensar e de compreender o comportamento dos outros, essencial em qualquer negociação. Um a um proporcionam uma oportunidade de contar uma ou muitas histórias. Contar histórias é a forma mais poderosa de comunicar porque exige da parte de quem nos lê uma data de imaginação. Se as circunstâncias o permitirem, eu hei-de contar-vos mais histórias.
Virgínia Trigo
ISCTE Business School
7/20/2010
Programa de Empreendedorismo e Criação de Empresas - Incrições Abertas até 30 de Julho
O Programa de Especialização em Empreendedorismo e Criação de Empresas, agora na sua 9ª Edição, é um programa pioneiro no panorama universitário português.
Visa promover a criação de novas empresas e fomentar o espírito de intra-empreendedorismo, dotando os participantes de um conjunto de conhecimentos conceptuais e técnicos que lhes permitem actuar com eficácia na complexidade e competitividade da economia actual.
Deste curso já nasceram novas empresas e projectos criativos, novas atitudes e mais pensamento crítico.
O prazo para apresentação das candidaturas on-line termina em 30 de Julho de 2010.
Aceda a mais informações do Programa aqui.
7/19/2010
6/28/2010
9ª Conferência AUDAX : PORTUGAL START-UP
Clique na imagem para visualizar em mais detalhe o programa.
ENTRADA LIVRE | Inscreva-se até dia 5 de Julho aqui.
É já dia 8 de Julho que irá decorrer a conferência anual do AUDAX/ISCTE-IUL.
O programa inclui apresentação dos projectos empresariais do curso de Empreendedorismo e Criação de Empresas, bem como, dos projectos da licenciatura de Finanças Empresariais do ISCTE-IUL.
Estes projectos serão apresentados a um painel de investidores com reconhecida experiência na avaliação de projectos:
- Caixa Capital, Grupo CGD
- Inovcapital
- IAPMEI
- Capital Criativo
- APCRI
Além disso contaremos com o guest speaker, Jonhatan Medved, co-fundador do fundo de Capital de Risco Israel Seed Partners, que investiu em diversas empresas líderes de mercado em Israel.
AF e CB
6/18/2010
CRÓNICAS DA CHINA de Virgínia Trigo - 'Negociar na China'
Quando me visitou pela primeira vez no ISCTE o Sr. Souza tinha acabado de ler o meu livro “Como negociar na China?”. Achara-o útil, disse-me, e tinha um conselho a pedir-me. Industrial do Norte o seu primeiro contacto com a China já vinha dos anos 70, de uma feira que visitara num país de Leste e onde se deixara encantar por uns ferros de engomar revestidos a teflon. O produto era ainda uma relativa novidade, mas o Sr. Souza experimentou um exemplar – para que não restassem dúvidas disseram-lhe até que o trouxesse para casa – e o produto era bom e, claro, o preço imbatível. Movendo montanhas, obstáculo atrás de obstáculo – já podem ver, naquela altura – o Sr. Souza encomendou logo um contentor e pôs os ferros à venda. Foi então que a desgraça aconteceu: um após o outro os ferros começaram a ser devolvidos. Com o aquecimento, o teflon derretia e agarrava-se à roupa danificando-a. Entre as reclamações dos clientes e o silêncio obstinado do vendedor de quem nunca recebeu uma única palavra, o Sr. Souza retirou os ferros do mercado e jurou, disse-me que jurou, nunca mais querer ter nada a ver com a China.
Mas veio entretanto a política de abertura, a invasão do mercado por produtos chineses – cada vez melhores e cada vez mais baratos – a entrada na Organização Mundial do Comércio, a China sempre na televisão e nos jornais, uma China séria e responsável. Impressionado, já sem ressentimentos, o Sr. Souza foi à China. E era precisamente sobre essa viagem que me queria falar. Sentou-se na minha frente, os dedos da sua mão direita brincando durante momentos com o relógio do seu braço esquerdo. Depois, já com os cotovelos sobre a secretária exclamou: “Aquilo é gente muito complicada”. Antes não fosse, mas os desejos não são cavalos que possamos cavalgar através dos nossos sonhos.
Depois da visita o seu desejo era bem simples, apenas encetar uma relação comercial, do interesse de ambas as partes. Sim, já tinha visitado a empresa, a empresa era grande, não sabia se era estatal, na realidade não sabia bem o que era, mas tinha muita gente a trabalhar e até conhecia uma pessoa em Xangai que talvez fosse director nesta fábrica de Cantão, mas vendo bem talvez não. Há mais de um ano que trocava correspondência, a menina Xu até sabia inglês se bem que não se pudesse dizer que aquilo era mesmo inglês pois a maior parte das vezes não se entendia. Veja bem o que estamos para aqui a escrever, como vamos sair disto? Na folha de papel que me estendeu o Sr. Souza tinha mandado transcrever a mais recente troca de emails que durava há já três meses:
“Cara Mna. Xu, gostaria de agendar uma reunião consigo, nos V/ escritórios em Guangzhou, para trocarmos ideias, com vista ao desenvolvimento das vendas e das boas relações, entre ambas as companhias. Sugiro os dias 18 e 19, a uma hora mais conveniente para si”.
“Caro Sr., em relação à sua visita, sugerimos que nos visite a 18 ou 19 a uma hora mais conveniente para si. Depois, pode seguir para Portugal, via Hong Kong. Ficamos a aguardar a S/ breve resposta. Obrigado”.
“Cara Mna. Xu, pedimos o favor de nos informar qual a hora mais conveniente para si, para a realização da reunião no dia 18”.
“Caro Sr., a sua visita pode ser 18 ou 19 a uma hora mais conveniente para si. Depois pode seguir para Portugal, via Hong Kong. Se tiver alguma questão, por favor, informe-nos”.
O que é que eles queriam? Porque rodeavam permanentemente o assunto sem dar uma resposta directa? E porque o mandavam seguir logo para Portugal sem que o tivesse perguntado? Era como se a menina Xu estivesse num mundo e o Sr. Souza noutro e ambos (ou um deles?) estivessem a tentar lançar uma ponte ou a furar uma barreira. Sabendo que só as árvores, os animais e as aves dizem verdades totais pois não têm o poder da invenção, desenhámos, o Sr. Souza e eu, uma estratégia para conseguir esta visita. Finalmente, ele foi de novo à China.
Entretanto o Eng. Torres, um empresário de Moçambique que conheço, interessou-se há cerca de um ano também pela China. Talvez porque desconhecia em absoluto o país resolveu seguir o meu conselho: não encetar relações comerciais directamente com nenhuma empresa chinesa e utilizar antes os serviços da sua embaixada. Os protocolos que já estabeleceu com um parceiro chinês tiveram a chancela da embaixada e assim, ao mais alto nível, a relação desenrolou-se célere. Agora a preocupação do Eng. Torres não é a existência de negócios com a China, mas antes se o país vai ou não valorizar o renmimbi.
O Sr. Souza regressou na semana passada exausto ainda da sua incursão: muita gente, muito tempo, muito espaço. Imagine-se que o Sr. Souza viajou de Pequim a Zhengzhou e viu – experimentou – o que nunca imaginara ter visto: um autocarro só com beliches. Felizmente coube-lhe a cama de baixo. Entrou no autocarro de sapatos na mão e, com os outros 39 viajantes, preparou-se para enfrentar a viagem de 12 horas. “Diz no seu livro que o Confúcio – não foi? – disse que um homem sincero não se aproveita de um quarto escuro, mas olhe que eles lá não ligam muito a isso.” Contei-lhe do Eng. Torres. O Sr. Souza olhou-me com olhos que, tais como os do Sr. Ventura de Miguel Torga, já tinham visto a China, e perguntou-me: “Mas você acha que eles na nossa embaixada também fazem isso?” Eu não sei.
Virgínia Trigo
ISCTE Business School
Virgínia Trigo
ISCTE Business School
6/02/2010
CRÓNICAS COISAS DA VIDA de Virgínia Trigo - O “DESENRASCANÇO”
Kea
Não é uma palavra bonita, eu sei. De resto, assim substantivada, nem sequer existe no dicionário embora toda a gente a diga. Por mais que procure, não consigo encontrar nenhum sinónimo que exactamente transmita da mesma forma, com igual comunhão de significado, esta nossa capacidade colectiva, afinal uma habilidade para resolvermos, com razoável eficácia, situações difíceis quase sempre em casos extremos. Quando penso no “desenrascanço” vêm-me invariavelmente duas imagens à cabeça: há muitos anos atrás, na Madeira, uma equipa de filmagens francesa filma junto ao mar quando, inadvertidamente, a câmara cai à água. Todos se olham uns aos outros sem saber o que fazer até que o assistente de imagem, um jovem português, a apanha e a desmonta limpando as peças uma a uma, voltando-a a montar outra vez. A partir desse dia e enquanto durou a aura, ele passou a ser considerado a pessoa mais importante da equipa. Na outra imagem eu estou em Estocolmo com um professor sueco que amavelmente acedeu a conduzir-me ao aeroporto dado o meu atraso para apanhar um voo. Entramos no carro, ele liga o motor, agarra no volante e ouvimos um barulho seco “tac”: o volante estava encravado, nem para a direita, nem para a esquerda. E agora? Num impulso eu dou duas curtas e rápidas guinadas ao volante e ele liberta-se. O professor olhou para mim como se eu fosse a pessoa mais inteligente deste mundo. Como não sou especialmente hábil em questões de mecânica só posso atribuir aquela minha súbita inspiração à capacidade que partilho com os meus compatriotas de resolver um problema in extremis, ou seja, de me “desenrascar”.
Este tem sido um segredo só nosso, alojado algures numa camada muito íntima da nossa cultura, do qual não falamos, quando muito falamos baixinho, entre risos subtis e até um pouco envergonhados. Mas eis que o relatório recente de uma Câmara de Comércio de um país estrangeiro vem expor este nosso segredo e se põe a elaborar sobre ele: que o “desenrascanço” está mal aproveitado; que se trata de uma virtude colectiva essencial que pode e deve ser conceptualizada e até cimentada como base de resolução não só dos nossos problemas imediatos mas gerais e futuros; que sobre ele devem ser feitos estudos, teses doutorais, extraídos conceitos. Em suma, aconselham-nos a, muito para além de resultado, estudarmos e pensarmos sobre o processo que permite o “desenrascanço” com o fim de o melhorar, de o tornar sustentável e de o integrar na nossa forma normal – e não apenas in extremis – de fazer as coisas.
Como se não bastasse, por circunstâncias da vida, passei a fazer parte de uma família neozelandesa e descubro, no outro lado do mundo, um povo tão “desenrascado” como nós. Mais até, se isso me é permitido: os neozelandeses não só são eles próprios “desenrascados” como estendem essa característica ao seu reino animal como pude comprovar na reserva natural da ilha de Kapiti onde um papagaio autóctone, o “kea”, me abriu sub-repticiamente a mala para me roubar seis quadrados de chocolate. Foi apanhado em flagrante, mas já tarde, quando abandonava o local do crime.
'mentalidade de 8mm'
Não conhecendo a palavra “desenrascado”, os neozelandeses desculpam-se dizendo que uma pequena nação isolada do resto do mundo tem por força de ser engenhosa e lá está: a Nova Zelândia é a segunda nação do mundo em patentes per capita, logo a seguir à Suíça. Ser engenhoso é semelhante, e contudo diferente, a ser “desenrascado”. O engenho pode ser explicado em dois factores simples: (1) ser capaz de pensar por si próprio; e, muito importante, (2) persistir até se obter o resultado desejado. Dizem também que têm uma “mentalidade 8 mm”, por analogia com o arame de 8mm que serve para reparar tudo o que necessita de resistência (portas, cercas...). Habituados a poucos recursos, mas rodeados de paisagens lindas, os neozelandeses desenvolveram um sentido estético minimalista, tudo simplificando através de uma organização quase obsessiva, desde a decoração das casas até à limpeza e ao arranjo das ruas e dos (muitos) jardins. Talvez por tudo isso não se vejam na Nova Zelândia nem casas muito pobres nem casas muito ricas; nem pedintes na rua; nem paredes vandalizadas nas cidades; nem lojas chinesas a abarrotar de quinquilharia. Isto apesar de a comunidade chinesa representar 2,6% da população e em Portugal cerca de 0,15%.
Ernest Rutherford
Como símbolo deste engenho guardo a memória de uma cerveja que em vez da tradicional acumulação de medalhas de ouro sobre o rótulo, simplesmente anunciava: “Já perdemos conta às medalhas que ganhámos”. “Na Nova Zelândia, como não temos dinheiro, temos de pensar”, disse Ernest Rutherford, um neozelandês que ganhou o prémio Nobel da química em 1908. E estas palavras ficaram a dançar na minha cabeça durante dias seguidos.
Virgínia Trigo
ISCTE Business School
5/28/2010
5/26/2010
Ser audaz é...
...apoiar o empreendedor!
Agradecemos mais uma vez ao IAPMEI e ao IPJ a gentileza do prémio atribuído.
Ana Fonseca
Cláudia Barbosa
CRÓNICAS COISAS DA VIDA de Virgínia Trigo - 'Bem-vindos à Babilónia'
Com o ar mais sério deste mundo, Juan, um estudante internacional da disciplina de Empreendedorismo no ISCTE, comunicou-me que o seu projecto de grupo iria ser um “topless bar with snakes” (um bar topless com cobras). O que é que eu achava? “A topless bar with snakes? Aqui, em Lisboa?” O meu ar deve ter sido de uma tal consternação que Juan respondeu com uma breve tremura na voz: “Yes, a topless bar with snakes”. Onde iria ele arranjar as cobras? Por breves momentos, ambos ficámos a olhar um para o outro até que, duvidando do seu acento espanhol, me lembrei de lhe pedir que escrevesse o que me estava a dizer. Juan escreveu: “a tapas bar with snacks” (um bar de tapas com snacks). Esta prática de pedir a alguém que me escreva o que está a dizer quando uma ideia me parece demasiado absurda tornou-se uma verdadeira necessidade depois das primeiras discussões que tive na China com origem neste tipo de mal-entendidos. Logo em 1989 lembro-me de ter entrado numa loja em Hong Kong para perguntar o preço de um casaco: “São mil dólares mas para si, Missie, faço-lhe um desconto de ‘fifty’ (50)%”. Nada mau pensei, vou levá-lo. Só na altura de pagar me apercebi que o desconto não tinha sido de 50 mas de 15% (fifteen): os dois valores eram pronunciados de uma forma exactamente igual, não só por aquela empregada, mas também, como depois haveria de descobrir, pela maior parte das pessoas naquela zona do mundo. Ficámos algum tempo a discutir, mas de nada me valeu e tive de renunciar ao casaco e ao desconto.
Noutra altura, num quarto de hotel em Cantão, tive necessidade de pedir um adaptador para um determinado equipamento eléctrico. Fi-lo por telefone, pronunciando com cuidado “an adaptor, please”. Depois de quase uma hora de espera, alguém bateu à porta com alguma ansiedade. Era um homem de bata branca, uma pequena mala na mão, anunciando-me: “I am your doctor, Missie” (sou o médico, minha senhora). Já na noite anterior Eddie, o recepcionista daquele hotel, me havia surpreendido. Pedi-lhe que me acordasse às 6:30 e ele, prestável, respondeu: “Morning call? No problem.” Puxou de uma folha quadriculada, um quadro de dupla entrada com as horas em linha e os números dos quartos em coluna, mas o breve sibilar entre os dentes, acentuando-se à medida que os seus dedos percorriam a folha, anunciava uma desgraça iminente. Olhando a linha onde as horas se cruzavam com os números dos quartos já totalmente preenchida, informou-me com pesar: “I am sorry Missie but we have run out of 6:30” (lamento, mas as 6:30 estão esgotadas). Não duvidei do pesar de Eddie. Afinal fora ele que, horas antes, ao levar-me a mala até ao quarto, esforçando-se no seu melhor inglês me dissera: “If you are desperate for something, do not hesitate to ask me” (se estiver desesperada por algo, não hesite em pedir-me).
Por essa altura andava eu a fazer entrevistas a recém-empresários num parque industrial de Cantão e, nas nossas conversas, eram frequentes os mal-entendidos sobretudo quando se tratava de valores. Eu conhecia a dimensão chinesa mas, mesmo assim, os números que me diziam eram de todo improváveis. Foi então que me apercebi das diferenças entre as unidades de contagem: a nossa unidade de contagem é o milhar (1000) enquanto que na China é o wan (10000). Só depois disso, forçando-me e forçando os meus interlocutores a escrevermos os números sem separação decimal – prática que recomendo a quem quiser negociar ou estabelecer qualquer forma de interacção na China – é que os valores começaram a fazer sentido.
De entre as maiores recompensas que podemos ter ao viver no estrangeiro está este sentimento estimulante de satisfação quando conseguimos resolver os pequenos mistérios da vida local e a China contribui com mais do que a sua quota parte para nos proporcionar esse prazer. Foi o que relembrei ainda em Julho deste ano quando, num restaurante de Xian, um solícito empregado me perguntou o que eu queria beber. “Pode ser uma cerveja”, respondi. “Grande ou pequena?” “Pequena por favor”. “Desculpe Missie, mas só temos grandes”, foi a resposta imediata. Foram precisamente os meus alunos chineses que me indicaram o caminho da escrita ao vê-los resolver as suas interpretações dissonantes desenhando um ideograma com um dedo na palma da outra mão, hábito que podemos observar frequentemente na China. Mas, como vimos no caso de Juan, numa Europa sem fronteiras, não é preciso ir tão longe. São as diferentes culturas que vêm ter connosco e assim alargam os nossos horizontes, expondo-nos a novas formas de pensar, a outros pontos de vista, formas de arte, actividades sociais e padrões de comportamento que dantes estávamos longe de supor que existissem. “Pode-se aprender muito quando se deixa Ítaca” disse Omero em tempos idos.
Virgínia Trigo
Noutra altura, num quarto de hotel em Cantão, tive necessidade de pedir um adaptador para um determinado equipamento eléctrico. Fi-lo por telefone, pronunciando com cuidado “an adaptor, please”. Depois de quase uma hora de espera, alguém bateu à porta com alguma ansiedade. Era um homem de bata branca, uma pequena mala na mão, anunciando-me: “I am your doctor, Missie” (sou o médico, minha senhora). Já na noite anterior Eddie, o recepcionista daquele hotel, me havia surpreendido. Pedi-lhe que me acordasse às 6:30 e ele, prestável, respondeu: “Morning call? No problem.” Puxou de uma folha quadriculada, um quadro de dupla entrada com as horas em linha e os números dos quartos em coluna, mas o breve sibilar entre os dentes, acentuando-se à medida que os seus dedos percorriam a folha, anunciava uma desgraça iminente. Olhando a linha onde as horas se cruzavam com os números dos quartos já totalmente preenchida, informou-me com pesar: “I am sorry Missie but we have run out of 6:30” (lamento, mas as 6:30 estão esgotadas). Não duvidei do pesar de Eddie. Afinal fora ele que, horas antes, ao levar-me a mala até ao quarto, esforçando-se no seu melhor inglês me dissera: “If you are desperate for something, do not hesitate to ask me” (se estiver desesperada por algo, não hesite em pedir-me).
Por essa altura andava eu a fazer entrevistas a recém-empresários num parque industrial de Cantão e, nas nossas conversas, eram frequentes os mal-entendidos sobretudo quando se tratava de valores. Eu conhecia a dimensão chinesa mas, mesmo assim, os números que me diziam eram de todo improváveis. Foi então que me apercebi das diferenças entre as unidades de contagem: a nossa unidade de contagem é o milhar (1000) enquanto que na China é o wan (10000). Só depois disso, forçando-me e forçando os meus interlocutores a escrevermos os números sem separação decimal – prática que recomendo a quem quiser negociar ou estabelecer qualquer forma de interacção na China – é que os valores começaram a fazer sentido.
De entre as maiores recompensas que podemos ter ao viver no estrangeiro está este sentimento estimulante de satisfação quando conseguimos resolver os pequenos mistérios da vida local e a China contribui com mais do que a sua quota parte para nos proporcionar esse prazer. Foi o que relembrei ainda em Julho deste ano quando, num restaurante de Xian, um solícito empregado me perguntou o que eu queria beber. “Pode ser uma cerveja”, respondi. “Grande ou pequena?” “Pequena por favor”. “Desculpe Missie, mas só temos grandes”, foi a resposta imediata. Foram precisamente os meus alunos chineses que me indicaram o caminho da escrita ao vê-los resolver as suas interpretações dissonantes desenhando um ideograma com um dedo na palma da outra mão, hábito que podemos observar frequentemente na China. Mas, como vimos no caso de Juan, numa Europa sem fronteiras, não é preciso ir tão longe. São as diferentes culturas que vêm ter connosco e assim alargam os nossos horizontes, expondo-nos a novas formas de pensar, a outros pontos de vista, formas de arte, actividades sociais e padrões de comportamento que dantes estávamos longe de supor que existissem. “Pode-se aprender muito quando se deixa Ítaca” disse Omero em tempos idos.
Virgínia Trigo
5/25/2010
5/24/2010
5/21/2010
We can do it!
A Forbes Insight e KeyBank’s Key4Women efectuou um estudo sobre mulheres empreendedoras que estavam a sair da recessão e quais as suas atitudes perante os clientes. A amostra foram cerca de 320 mulheres que estão à frente de pequenos negócios e o resultado foi deveras assustador.
O estudo revelou que com a recessão económica as mulheres focaram-se totalmente no serviço ao cliente, até aí tudo bem, 84% respondeu que o seu core business estava centrado no cliente, seguindo sempre a filosofia que custa menos manter um cliente antigo do que ganhar um novo. Isto faz-nos crer que estão atentas às necessidades dos clientes, as suas sugestões, usam ferramentas online para monotorizar comentários dos seus serviços, etc.
Mas ao que parece isto não acontece. Quando questionadas sobre as suas relações com a Internet e as redes sociais, apenas:
37% usa LinkedIn
27% tem um perfil no Facebook
17% utilize o Twitter
16% usa Blogs
Mais alarmante é que 25% não tem site.
Empreendedoras Portuguesas toca a invadir as redes sociais, sejam audazes. We can do it!
Leiam aqui o estudo.
CB
5/20/2010
5/19/2010
CRÓNICAS COISAS DA VIDA de Virgínia Trigo - 'Sete Dias em Teerão'
Faz agora dez anos eu estive sete dias em Teerão. Não fosse esta espera de mais de três horas nesta sala de aeroporto e a memória desse tempo teria continuado algures num limbo entre o cérebro e o coração. Mas assim sendo, levanto-me e vou à procura de um livro e vejo este. Na capa estão duas mulheres de lenço preto na cabeça, curvadas sobre as suas próprias mãos. Do seu rosto vem toda a atenção. O que fazem? Lêem às escondidas um livro em Teerão. Também eu já li às escondidas em Teerão, não a Lolita de Nabokov como fazem estas mulheres, mas algo de igualmente proibido e subversivo: eu li uma Elle em Teerão.
Somos um grupo de 40 pessoas dos mais diversos sítios da Ásia trazidas pelo ESCAP(1), um organismo das Nações Unidas. Somos presidentes ou responsáveis de escolas de turismo e hotelaria da região e já há muito que o Sr. V., o director para o turismo do ESCAP, manobrava nos bastidores para conseguir esta reunião. O Sr. V. tinha um sonho: conseguir unir as escolas de turismo da Ásia numa rede de intercâmbio, uma espécie de Erasmus na manta de retalhos que é a região. E queria começar exactamente por onde a Ásia começa: pelo Irão. Nunca nenhum representante do Irão fora às reuniões preparatórias, mas ainda assim, com a tenacidade de quem se aproxima da reforma e quer a todo o custo deixar obra feita, o Sr. V. conseguiu levar-nos a Teerão. Por isso aqui estamos, as cinco mulheres da delegação devidamente avisadas da nossa aparência: vestes largas, compridas e escuras, sapatos fechados, lenço na cabeça, maquilhagem nem pensar.
Os meus braços revelam-se desde logo uma preocupação: as mangas são afinal demasiado curtas e os dez centímetros de pele que separam o meu punho do início dos dedos são bastante chocantes e não consigo deixar de os olhar. Agarro as mangas com as pontas dos dedos e assim fico até que me entusiasmo a falar e retomo este mau hábito de arregaçar as mangas antes de fazer avançar um argumento. Atento, o guardião que me vigia manda-me puxá-las para baixo. Peço desculpa e obedeço.
O meu quarto de hotel padece das suas próprias queixas e, olhando pela janela, vejo que o verão chegou à cidade e às montanhas que dali se avistam muito antes de nós. Tudo é castanho e pó. Este livro fala de jardins e árvores em Teerão e garante o verde daquelas montanhas numa qualquer estação do ano, mas o único verde na minha memória é o do fato de caqui deste homem que incessantemente canta na televisão. No segundo dia as minhas duas acompanhantes, Omid e Zarrin, nos seus 20 anos, querem visitar o meu quarto. Vamos. Enquanto caminhamos pelos corredores e espaços públicos do hotel fazemo-lo em silêncio ou falando baixinho como é nossa condição, mas assim que a porta se fecha por detrás de nós elas arrancam os lenços e despem as batas: têm jeans e t-shirts, são jovens como outras quaisquer. Que não faz mal, asseguram-me e insistem em ver o meu cabelo. Admiram-se como o posso ter tão curto, será a moda? Vou então à minha mala e tiro de lá a Elle, minha companheira de avião, ajoelhamo-nos quase ao mesmo tempo e começamos a folheá-la. Nessa noite chegamos apenas à página 10. Digo-lhes para a levarem, que fiquem com ela, mas recusam-se, têm medo, por isso volto a guardá-la, dobrada naquela página que Zarrin pediu, disfarçada por entre a roupa.
Assim é o nosso ritual diário. Se pudessem ver-nos... Todas as noites começamos por nos maquilhar acentuando bem os lábios, a parte mais infame do nosso rosto, depois lemos a revista de joelhos, a seguir dançamos, sim dançamos, os braços levantados como em Zorba, o Grego, por fim lavamos a cara e elas vão-se embora com um sorriso tão cúmplice que até pode ser perigoso. No quinto dia o Sr. V. quer chegar a uma resolução: quem organizar a próxima reunião ficará presidente da rede. Candidato-me mas há mais três candidaturas: a Índia, a Tailândia e Hong Kong. Como não consegue chegar ao consenso que sempre procura, o Sr. V. sugere que cada um de nós defenda a sua posição, depois será a votação. Levanto-me para falar e, maldição, arregaço as mangas. O guardião avança para mim, mas aquele era um momento temerário, levanto o braço esquerdo e faço-lhe sinal para parar. E foi com uma mão erguida e a outra em cima da mesa que durante dez minutos defendi as vantagens de Macau e da minha escola e me tornei durante quatro anos na primeira presidente da rede APETIT(2) .
Esta é a nossa última noite, Omid e Zarrin estão orgulhosas de mim e já passámos por uma última provação. Zarrin acedeu hoje ao meu insistente pedido para sairmos fora do hotel e comprar um tapete. Fizemo-lo de cabeça baixa e muito depressa, mas eu senti o desconforto do suspense e que as piores eventualidades pairavam no ar. É esse tapete, dependurado na parede da minha sala, à frente do qual eu hoje me passeio e vejo uma janela que se abre e fecha como Zarrin me ensinou. Um tapete mágico, grita ela atravessando-o com o seu sorriso luminoso para me lembrar que nunca, nem nos meus tempos de adolescente num colégio interno, eu experimentei tamanha solidariedade e cumplicidade, sentimentos tão profundamente humanos como naqueles sete dias em Teerão.
Vírgínia Trigo
(1) Economic and Social Commission for Asia and the Pacific
(2) Asia-Pacific Education and Training Institutions in Tourism
5/07/2010
CRÓNICAS DA CHINA de Virgínia Trigo - 'O Súbito Interesse nos Pastéis de Nata'
Esta é a história de como, no curto espaço de uma década, o pastel de nata saltou do balcão pequeno e escuso de uma pastelaria na ilha de Coloane em Macau para o Kentucky Fried Chicken onde, ao lado da figura sorridente do coronel Sanders, servido com um ice coffee, faz hoje as delícias de todo o Sudeste Asiático. Tudo começou em 1989 numa altura em que um conhecido cozinheiro português se deslocava regularmente ao Hotel Hyatt, na Taipa em Macau, para promover festivais de comida portuguesa. Uma iguaria obrigatória era, claro, o pastel de nata. Por ele se interessou um australiano residente em Macau há já vários anos, farmacêutico de profissão e que após uma tentativa falhada de abrir uma farmácia no Território acabara a trabalhar no casino do hotel. Durante as estadas do chefe português, Andrew não parava de o importunar. E como se consegue esta massa estaladiça de mil folhas? E este creme rico e saboroso? Com uma informação daqui, outra dacolá e o gosto pela experimentação da sua prática farmacêutica, em breve Andrew estava pronto para mudar de vida. Abriu uma pequena pastelaria no canto de um largo em Coloane a que chamou Andrew’s e ali mesmo, apenas com um balcão, sem uma única mesa à qual nos pudéssemos sentar, começou uma gloriosa história de sucesso.
Os pastéis de Andrew não eram bem os ‘nossos’. Ele adaptara-os ao gosto asiático, eram maiores, a massa mais pesada, o recheio mais doce e enjoativo, mas chamara-lhes Portuguese Egg Tarts ou, em cantonense, Portuguese Dan Tat, servia-os quentes e cheios de canela. Aos domingos os turistas de Hong Kong faziam filas para os comprar. Diz-se que um dia um cliente mais entusiasta encomendou nada menos do que 150 dúzias e Macau tornou-se de repente demasiado pequeno para guardar tal segredo. Foi aberta uma filial em Hong Kong, igualmente pequena e escusa, igualmente assediada por uma enorme fila de clientes que ainda mais se adensou quando foi vista e fotografada em penosa espera uma célebre actriz de cinema que apenas queria comprar meia dúzia. O pastel de nata tornou-se companhia obrigatória do chá das 5 em Hong Kong, objecto de troca de presentes e adoçou muitas tardes ásperas nos escritórios das torres de vidro dos especialistas em alta finança da cidade. Em Macau todos queriam aprender a fazê-los, uma espécie de direito moral, dadas as ligações antigas a Lisboa.
Foi neste clima de euforia que um dia recebi um telefonema de alguém que não conhecia, mas que se apresentou como familiar de uma amiga e disse ser chinês de Hong Kong residente no Canadá. Convidava-me para almoçar e queria falar-me de um assunto de interesse comum. Aceitei, incapaz de resistir à mais leve curiosidade e foi assim que me vi no reservado de um primeiro andar de um restaurante na zona mais densamente povoada de Macau. Depois de uma introdução longa em que, um a um, foram consumidos os seis primeiros pratos de uma refeição chinesa, o meu anfitrião confessou-me que, sabendo das minhas ligações a Portugal, visto que eu era portuguesa, o seu desejo era propor-me um negócio de fabricação das famosas Portuguese Egg Tarts, as verdadeiras – nem eu poderia produzir outras, sendo portuguesa – que pudéssemos depois, com legitimidade, introduzir na China. Explicou-me todos os pormenores do negócio e apresentou números: para já milhares e depois milhões de chineses se iriam deliciar com as tartes. Adivinhando alguma relutância da minha parte, o meu interlocutor não hesitou em recorrer à simbologia chinesa, invocando a nossa amizade e colaboração futuras como a imagem de um rio deslizando entre duas montanhas, fertilizando as planícies por onde corre e desaguando numa placidez dourada, no sítio exacto onde bebe o dragão.
Mas por essa altura já Andrew tinha vendido a fórmula do Portuguese Dan Tat ao Kentucky Fried Chicken e este entrara em força em Hong Kong e Taiwan e mais tarde em toda a China. “A febre dos Portuguese egg tart varre a cidade de Taipei” diz o Taiwan Journal de 9 de Novembro de 1998 e acrescenta existirem sinais por todo o lado desde as longas filas nas pastelarias do centro, aos anúncios de parede, à escassez de ovos nos produtores locais. O jornal informa que, para atrair clientes, até uma loja de venda de computadores havia instalado um armário de vidro sobre o balcão com as famosas tartes. Quando a KFC introduziu os pastéis de nata já estes eram conhecidos em Taiwan, mas a sua presença na cadeia contribuiu para aumentar a febre e nem mesmo ela estava preparada para tamanho êxito. O jornal dá conta de muitos oportunistas que, depois de esperarem mais de três ou quatro horas numa fila, os compram às centenas para montarem uma banca logo ali ao virar da esquina e os venderem pelo dobro do preço. Para evitar semelhante comportamento muitas lojas limitaram o número de unidades vendidas a cada cliente o que ainda mais exacerbou o desejo de as comprar. Um representante da KFC confessou-se admirado com tanto sucesso e de certo modo apreensivo pois em regra tamanho alvoroço no início poderá prejudicar o produto no futuro.
Ainda antes do virar do século o pastel de nata já era vendido um pouco por todo o lado na China. Embora muito do entusiasmo inicial se tenha perdido, lembrei-me desta história ao deparar recentemente em Xi’an, no coração da China, com os famosos pastéis em evidência na montra de uma pastelaria da moda. Ao lado deste objecto de eleição estavam uma magnífica embalagem cilíndrica especialmente concebida para 8 unidades, o número da sorte, e um cartaz de fundo dourado e letras vermelhas onde se lia em chinês e inglês: “Portuguese egg tarts, o gosto internacional é mundialmente famoso”. O Portuguese egg tart faz o seu caminho.
Virgínia Trigo
5/01/2010
CRÓNICAS DE EMPREENDEDORISMO de Virgínia Trigo - 'Isto Aqui Não é Inferno'
Sabia, pois. Nas minhas aulas de Empreendedorismo no ISCTE, os alunos de mestrado com experiência empreendedora confrontam-me com isso todas as aulas: “não podemos ‘fiar’ a ninguém a começar pelo Estado”. E sem crédito como pode uma economia funcionar? Nos últimos dois ou três anos temo-nos multiplicado em acções de promoção do empreendedorismo: educação primária, secundária e superior; formação; conferências; legislação; esquemas de financiamento; mentoria... um sem número de acções por todo o lado e por todo o país. Contudo nenhuma actividade empreendedora sustentada se pode desenrolar neste pôr de lado a consciência e colocar a ausência de vergonha no seu lugar.
A riqueza de um país depende da produtividade dos seus cidadãos que, por seu turno, depende dos recursos, da tecnologia e da organização. Muitos países – o Japão e outras economias asiáticas são disso um exemplo – conseguiram ultrapassar a ausência de recursos naturais devido aos avanços tecnológicos e à organização. Como os obstáculos internacionais à aquisição de tecnologia estão hoje quase desaparecidos, o elemento último, a necessidade crucial para se aumentar a produtividade e, consequentemente, a riqueza é o desenvolvimento de uma boa organização. Mas a organização não existe num vácuo, ela opera em sistema, é parte de um grupo de elementos interdependentes e inter-relacionados que formam um todo complexo, isto é, o comportamento de determinados elementos afecta o comportamento de todos os outros.
Se temos como prática pagar tarde ou não pagar, aqueles a quem devemos também não poderão pagar a quem devem, num efeito em cadeia que rapidamente se transforma em bola de neve e que, em sistema, nos vai de novo afectar também. E é assim que o desastre surge na vida e nela vai abrindo o seu caminho. A princípio é uma coisita sem importância, oculta em qualquer canto sombrio, mas acaba por tornar inoperante toda a economia.
A riqueza de um país depende da produtividade dos seus cidadãos que, por seu turno, depende dos recursos, da tecnologia e da organização. Muitos países – o Japão e outras economias asiáticas são disso um exemplo – conseguiram ultrapassar a ausência de recursos naturais devido aos avanços tecnológicos e à organização. Como os obstáculos internacionais à aquisição de tecnologia estão hoje quase desaparecidos, o elemento último, a necessidade crucial para se aumentar a produtividade e, consequentemente, a riqueza é o desenvolvimento de uma boa organização. Mas a organização não existe num vácuo, ela opera em sistema, é parte de um grupo de elementos interdependentes e inter-relacionados que formam um todo complexo, isto é, o comportamento de determinados elementos afecta o comportamento de todos os outros.
Se temos como prática pagar tarde ou não pagar, aqueles a quem devemos também não poderão pagar a quem devem, num efeito em cadeia que rapidamente se transforma em bola de neve e que, em sistema, nos vai de novo afectar também. E é assim que o desastre surge na vida e nela vai abrindo o seu caminho. A princípio é uma coisita sem importância, oculta em qualquer canto sombrio, mas acaba por tornar inoperante toda a economia.
O à-vontade, a norma que se instalou entre nós do não pagar como legítimo, socialmente aceite e até representativo de uma certa sagacidade nos negócios – como ilustra o ditado “pagar e morrer quanto mais tarde melhor” – entra na esfera dos princípios morais. Como tal, é vago e abstracto e a sua aplicação aos negócios é frequentemente indeterminada e difícil de executar. Ele traz também muitas outras coisas indesejáveis como a falta de confiança, obviamente generalizada na nossa economia e que, como todos sabemos, impõe elevados custos de transacção e, portanto, rudes golpes no empreendedorismo. O emprendedorismo poderá levar à prosperidade do nosso país, mas o simples desejo de prosperidade não chega para que o empreendedorismo seja um êxito. O facto de se acender lume não significa que haja comida para cozinhar.
Se, neste princípio de 2007, de entre tantos e tão complexos problemas que a nossa economia tem, me pedissem para eleger um, eu escolheria esta indiferença à necessidade de pagar como aquele que mais urge combater. Fechando os olhos e cerrando os punhos pediria dois desejos:
(1) que o Estado não seja como a mãe caranguejo que teima em ensinar os seus filhos a andar a direito. Um Estado que não cumpre os seus prazos de pagamento não pode inspirar os seus cidadãos a que o façam;
(2) que todos nós, cidadãos, saibamos que não podemos passar a vida a enganar, senão acabaremos por nos enganar a nós próprios.
Porque isto aqui não é inferno.
Virgínia Trigo
Texto publicado pela primeira vez no Jornal de Negócios a 02.01.2007
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